Uma reflexão contra a nova pedagogia

Esse ensaio é uma reelaboração de meu trabalho de conclusão do curso de Formação de Docentes, sem os jargões acadêmicos e mais próximo da minha escrita. Minha proposta foi demonstrar a importância da formação docente no trabalho em sala de aula numa brevíssima exposição, explicando o que entendo como a Nova Pedagogia e o que deve constar na formação do professor, além, é claro, daquilo que ele aprende (ou deveria aprender) no curso de nível superior.

A origem etimológica da palavra “educar” é educare, junção latina de ex (fora) e ducere (conduzir). Educar, portanto, corresponde à condução de uma pessoa por outra que, necessariamente, reconhece o lugar de onde se parte e aonde se levará o educando, além, é claro, de saber como se dá essa transição, essa condução. Espera-se que o professor saiba guiar o aluno por esse caminho e essa esperança pressupõe no professor a habilidade necessária para tanto, ou seja, o professor, como um guia turístico, tem pleno conhecimento sobre aquilo que expõe, sabe, por assim dizer, quais momentos do percurso exigirão maior atenção ou disposição daquele que é guiado, sabe por onde ir com mais ou menos tranquilidade, enfim, o professor, espera-se, domina o ensino de sua disciplina como um guia turístico domina sua região.

Eis, então, a importância da formação docente na educação. Ao contrário do que muito se divulga com a Nova Pedagogia, o conhecimento do professor é um dos pilares da aula. O professor conduz o aluno, não o contrário – nem teria como o ser. É evidente: um professor primário de matemática sabe que o aluno desconhece equações de segundo grau, mas ele próprio não apenas domina esse conteúdo como também o sabe expor, sabe guiar o aluno pelos estudos até que esse passe a conhecer e resolver tais equações.

Uma educação focada nas experiências e atividades do aluno, que desconsidera a aprendizagem intelectual, no entanto, é como uma caminhada em círculos. O aluno não sabe princípios básicos de matemática. Soma-se, na sala, um professor que despreza o progresso intelectual do aluno ou que apenas suporta suas atividades práticas. Que mais esse professor fará? Ou melhor: como esse professor educará – conduzirá – o aluno? Em se desconsiderando a importância docente, esse movimento é, na verdade, nulo e qualquer um poderia ocupar seu espaço. O aluno fica desnorteado, sem quem o guie e, na melhor das hipóteses, pode vir a decorar um ou outro aspecto da disciplina, como fórmulas ou exemplos. Decorar, não aprender.

É importante que o professor conte com uma sólida formação e exerça sua autoridade em sala de aula. É pela educação que os saberes já acumulados de gerações anteriores podem ser transmitidos à posteridade, reformulados, expandidos e melhorados. É impossível passar essa intelectualidade adiante sem que o professor a conheça. É impossível passar adiante conhecimentos a alunos cuja única atividade em sala é prática e não intelectual.

Há uma vasta série de termos para definir aquilo a que chamo de Nova Pedagogia. Independentemente do termo que se use ou da vertente pedagógica que se siga, a experiência do aluno é sempre algo a se considerar, frente a Nova Pedagogia, como o elemento primordial na educação. José Ferrater Mora, em seu grandioso Dicionário de Filosofia, compreende o conceito de experiência de duas formas:

[…] como amplo e extenso conhecimento de casos […] e como apreensão imediata de processos internos. Pode dizer-se que o primeiro sentido alude a uma experiência científica, e o segundo a uma experiência psicológica. […] No segundo caso, pode ser ponto de partida do conhecimento do mundo interior, mas também base para a apreensão de certas evidências de carácter não natural. Assim a experiência pode designar a vivência interna da vida, da fé e, em última análise, da vida mística. Por outro lado, no que se refere aos objetos naturais, distingue-se entre uma experiência vulgar e uma experiência propriamente científica. (p. 101)

Essa concepção de experiência enquanto primeira etapa para o conhecimento está presente também no pensamento de John Dewey (sempre citado em círculos de debates pedagógicos como um dos grandes representantes e pensadores da chamada Escola Nova) em seu livro, Experiência e Educação. O problema dessa proposta está na supervalorização da experiência e a desconsideração absoluta da formação do professor, que passa a ser um mero facilitador de novas vivências em sala de aula.

A demasiada ênfase que se dá nas experiências do aluno pode ser interpretada, também, como a protagonização do aluno em sua vida escolar. Propondo-se como solução aos problemas resultantes da pedagogia tradicional, a Nova Pedagogia sugere que o aluno é o centro de todo processo educacional e deve ele próprio ter participação ativa na aprendizagem. Isso significa que todo trabalho intelectual, visto como um trabalho “passivo”1, é suprimido e cede espaço a atividades práticas, como discussões encabeçadas pelo próprio aluno.

Para saber o resultado de se ignorar a formação docente e manter o foco na autonomia do aluno basta que vejamos as posições que o Brasil tem ocupado no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). No que tange à leitura e interpretação de texto, os alunos brasileiros não conseguem ser sequer medíocres. Quanto aos estudos em matemática, os resultados são ainda piores. Isso se arrasta desde o começo do século. Se olharmos os relatórios do PISA, o único momento em que o Brasil figura acima da média é na proporção de alunos com baixa proficiência em leitura ou em matemática.

Vê-se que apenas a atividade construtiva (experiência) por parte do aluno não é fator determinante para a aprendizagem escolar. Ora, é devolvendo a autoridade do professor e reconhecendo a importância de sua formação, insisto, que os alunos poderão ser bem conduzidos (educados, de todo modo), a fim de se tornarem autônomos à medida que apreendem o conteúdo ministrado e desenvolvem suas faculdades intelectuais2.

O que estimulo não é a plena extinção da Nova Pedagogia, o que seria um trato de efeito contrário ao que se busca (a melhoria no sistema de ensino), mas uma reconsideração: o foco da educação não pode ser o aluno ou suas experiências, o foco da educação é a aprendizagem, a busca pela verdade e pelo conhecimento. Para tanto, um professor bem formado é o mínimo que se deve exigir, afinal, o processo de ensino pressupõe que “alguém disposto a aprender toma contato com o objeto a ser conhecido por intermédio de algo ou alguém dotado de condições suficientes para essa realização”, como eu mesmo já disse em outro ensaio.

O que se observa ao comparar os resultados de pesquisas como o PISA e o relatório McKinsey é que países que se tornam modelos educacionais promovem a prática docente como uma profissão de alto rigor quanto à formação dos professores. Por várias vezes, vê-se, ao longo do relatório, a máxima de que não se pode melhorar o desempenho dos alunos sem que se melhore, antes, a instrução docente. Se em países modelos há requisitos exigentes para essa profissão, em países onde o professor é desrespeitado (no sentido mais amplo possível: seja pelos próprios alunos, seja pelas políticas educacionais), sua formação é sumariamente descontinuada, seu currículo raramente é atualizado e seu trabalho não encontra o menor prestígio.

Essa situação se reflete entre os alunos, afinal, “um país que aceita ter professores de baixo nível, que não forma e treina adequadamente seus professores, deve saber que está dilacerando suas crianças e jovens” (Enkvist, 2021). Nenhum sistema educacional, insiste-se, pode ir além daquilo que os seus professores podem propor. Um professor de parco vocabulário não pode formar exímios leitores. Um professor antipático não pode formar cidadãos. Percebamos que a formação docente se amplia para muito além da disciplina lecionada: abrange noções de cidadania, política, linguagem, etiqueta etc.

O professor tem a clara função de transmissão de conhecimento. Critica-se a ideia de uma “educação bancária”, nos termos de Paulo Freire, ao mesmo tempo em que se nega o óbvio. Espera-se de um professor de matemática que ele ensine matemática. As operações básicas dessa disciplina podem ser ilustradas com experiências e brincadeiras, mas todo o processo se dá de forma puramente intelectual. É inconcebível que um aluno ginasial precise de um ábaco para calcular operações de multiplicação, tarefa que, com o mínimo de instrução, pode ser realizada mentalmente. Quando se exige do professor funções burocráticas (como justificativas pedagógicas para tudo o que faz em sala) ou que mantenha o famigerado foco no aluno, ele abre mão de sua função e de tudo aquilo que ele aprendeu3.

Uma das primeiras coisas a se considerar na formação docente, para além da formação básica (que compete à disciplina que o professor leciona, bem como sua formação pedagógica inicial, adquirida no curso de nível superior, de licenciatura) é o trato com o conhecimento no sentido contrário à relativização da verdade. O discurso de que a verdade não existe ou que a realidade é completamente relativa é tão comum quanto danoso.

Essa relativização abre espaço para uma confusão comum na Nova Pedagogia. Como se dá profunda atenção às experiências do aluno, muitas escolas acabam por evitar a correção. Respeitar o aluno não quer dizer respeitar sua incultura. À medida que o professor relativiza os erros do aluno, não o corrige em nome do respeito e da inclusão, ele não só promove a ignorância, como também priva o aluno de um futuro brilhante, de novas perspectivas, enfim, o professor que fomenta a incultura dos alunos destrói as possibilidades que esses poderiam vir a ter4. Quando o professor é inseguro, demonstra sua ignorância ou deixa de corrigir erros e maus comportamentos, ele deixa de ser respeitado pelos alunos e pelos pais.

Uma das primeiras formas – se não a primeira forma – de se perceber o nível cultural de alguém é pela linguagem. Um professor de vocabulário diminuto terá dificuldades para se expressar numa sala com os mais diferentes alunos e conquistar esse respeito. Não há outro modo de se expandir o vocabulário e demonstrar segurança que não seja pela prática da leitura. Um professor que amplia seu vocabulário também facilita a aula e amplia, por conseguinte, o vocabulário de seus alunos, dotando-os, também, de maior nível cultural. A formação contínua do professor não corresponde apenas a cursos livres ou participações em eventos, mas também abrange a leitura cotidiana, a manutenção da cultura.

Todos os dias, o professor toma por volta de 3 000 decisões não triviais (conforme o já mencionado relatório). Como pensar rápido em situações assim sem exercer a criatividade? Como ser criativo sem cultura? O professor é também um artista. “A criatividade do professor é visível em sua linguagem. A precisão, vivacidade e humor da língua são produtos da criatividade verbal do professor e são fundamentais para a qualidade do ensino” (cito Enkvist novamente). O esforço desse trabalho exige, naturalmente, o amor pela arte, o que é contrário a preguiça e indiferença que um professor de formação defasada pode nutrir.

A formação docente, em seu mais amplo grau, é um dos mais fundamentais pilares da educação. A Nova Pedagogia, ao focar os esforços na experiência do aluno, nas atividades visivelmente práticas, acaba por suprimir a autoridade do professor e tornar vil a imagem da educação bancária. Toda educação é bancária. O aluno só recebe do professor aquilo que esse tiver consigo. Um professor bem formado pode bem formar seus alunos, pode, noutras palavras, depositar no corpo discente o conhecimento acumulado por gerações. Um professor bem formado, culto, ademais, é capaz de incluir todos os alunos da sala em sua aula, independentemente do nível cultural, origem ou costumes desses, afinal, quando o professor eleva seu próprio nível cultural, ele sabe o valor de se ensinar e sabe, acima de tudo, que o foco da educação não é o aluno ou suas experiências; o foco é o conhecimento em si.

1A ideia de que o trabalho intelectual é passivo é própria da Nova Pedagogia e falsa, daí as aspas. Como, para exercer o intelecto, o indivíduo se aquieta e pensa, quero dizer, cessa atividades visivelmente ativas e se dedica a um trabalho naturalmente solitário e silencioso, a impressão que se tem é a de que o professor protagoniza as ações em sala de aula, depositando conteúdo na mente dos alunos, que apenas reagem com respostas e de modo sempre mecânico. Essa impressão quanto ao trabalho intelectual pode ser constatada na extensa e pedagogicamente vazia obra de Paulo Freire, em especial, na Pedagogia do Oprimido e na Pedagogia da Autonomia.

2Essas conclusões podem ser constatadas no relatório de 2007 How the world’s best-performing school systems come out on top, de Michael Barber e Mona Mourshed para a empresa de consultoria McKinsey & Company, no qual me apoiei para compor o trabalho.

3Observou-se, no relatório McKinsey, como os países menos desenvolvidos no que tange à educação burocratizam o trabalho do professor. Quanto mais o docente se ocupa de outras tarefas que não transmitir o conhecimento, mais se ignora e despreza sua formação. O professor não apenas domina o conteúdo da disciplina, como também sabe, mais que qualquer outra pessoa, como transmitir esse conhecimento da melhor forma possível. Por que ocupá-lo com atividades desnecessárias e contrárias a isso?

4Os danos dessa relativização são catastróficos em especial com alunos de baixa renda ou cujos pais não tiveram tantas oportunidades intelectuais (como pais analfabetos ou que não concluíram seus estudos).


Barueri, 19/11/2022

Revisado em 26/01/2025


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